As empresas que atuam no agronegócio e os produtores rurais precisam criar uma estrutura de governança que garanta uma tomada de decisões que reduza os riscos e ajude o negócio a atravessar dificuldades de mercado, como o vivido atualmente entre os produtores de grãos.
Essa é a visão de conselheiras de empresas e instituições do agronegócio que se reuniram na terça-feira (19/3) para um debate na sede do Banco Safra, na Avenida Paulista. O encontro foi organizado pelo grupo Conselheiras, de promoção de participação de mulheres em conselhos de administração.
Para Grazielle Parenti, vice-presidente de sustentabilidade da Syngenta e vice-presidente do conselho da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), é trabalho da governança, com participação das conselheiras, “entender o momento” do mercado. “Não é sempre que vai dar para comprar avião, para comprar terra nova. Agora estamos em ano de rearranjo”, disse.
Na avaliação de Parenti, a diversificação da produção e a aposta em rastreabilidade da produção são vias importantes para os negócios rurais. “Um produtor rural ou uma companhia agrícola é como uma empresa qualquer. Você não aposta todas as suas fichas em uma coisa só”, defendeu. A rastreabilidade, por sua vez, “dá confiança na gestão de riscoModelo de gestão que visa minimizar detectar todos os possíveis riscos de perdas dentro de uma empresa, tanto tangíveis, quanto intangíveis. do que se está fazendo”, disse.
Neste ano, um caminho que os conselhos de negócios rurais podem indicar para suas gestões é a negociação dos créditos, sustentou Nina Plöger, acionista da Melhoramentos e sócia-fundadora da consultoria IPDES. “Vamos sair para negociação, pedir prazos maiores”, estimulou. Ela defendeu também a ampliação da cobertura do seguro rural, hoje em R$ 1 bilhão, para “ao menos” R$ 3 bilhões, além de um “planejamento estratégico para o desenvolvimento integrado da agroindústria”.
Além de garantir a gestão em momentos de dificuldades, a criação de uma estrutura de governança também serve para a perenidade do negócio no longo prazo, segundo Talita Cury, sucessora do Grupo Santa Clara, que produz e exporta produtos de nutrição e proteção vegetal.
“Ainda bem que fizemos isso [profissionalizar a gestão], pois vimos o quanto a empresa desenvolveu. Profissionalizar a gestão é um dos grandes desafios, porque gera um investimento que as pessoas não querem fazer. Mas trazer conselheiros independentes foi muito importante porque você consegue unir a diversidade de entendimentos e traz riqueza à tomada de decisões. Fica mais fácil, porque você não toma a decisão sozinha. Ter a família fora facilitou a resolução de conflitos”, relatou.
A criação de um conselho de administração para uma empresa do agronegócio não é algo trivial, já que a maior parte dos negócios são familiares. Parenti, da Syngenta, observou que, em sua experiência de atuação como conselheira independente, aprendeu a “entender a dinâmica da família” e o processo de sucessão.
Entre os temas mais importantes hoje na mesa dos conselhos, Parenti destacou as questões financeiras, a digitalização dos processos, a parte regulatória e a sustentabilidade.
Na avaliação de Cury, do Grupo Santa Clara, os conselhos também podem ter um papel na estratégia de investimentos em inovação. “Os conselhos são parte fundamental para estrategicamente saber quais agtechs investir para ter inovação na veia”, afirmou.
Segundo ela, foi a estrutura de governança, aliada à gestão profissionalizada do negócio, que permitiu ao Grupo Santa Clara o lançamento de biodefensivos e biofertilizantes através de parcerias com negócios inovadores, além de uma aquisição de um centro de inovação que será lançado em breve em Jaboticabal para fomentar agtechs.
Quanto à questão da sustentabilidade, Cury afirmou que as “empresas que não conseguirem atender à demanda de ESGESG é uma sigla em inglês para “environmental, social and governance” (ambiental, social e governança, em português). Geralmente, ela é usada para se referir às práticas ambientais, sociais e de... terão chances menores de sucesso, comparado a quem já está atendendo e já iniciou”.
A formação dos conselhos no agronegócio, porém, ainda é dominada por homens. para Teresa Vendramini, que hoje participa de oito conselhos, é importante a existência de uma rede de apoio. “No agro brasileiro, as mulheres ficaram muito tempo caladas”, disse. Para ela, já houve avanços na participação das mulheres em espaços de decisão. “Mas depende do lugar do Brasil”, observou.
Parenti defendeu a criação de cotas para mulheres nos conselhos, o que já é tema inclusive de projeto de lei. “Precisamos de cotas sim para que seja um desconforto para que as pessoas e empresas vejam que é necessário fazer algo de maneira mais assertiva.”
Cury concordou com a proposta e ressaltou que é importante também dar às mulheres as mesmas oportunidade dadas aos homens. “Tem empresas do nosso setor do agro que estabelecem vagas exclusivas para homens até hoje. Viajando pelo Brasil e conhecendo produtoras, vejo que ainda existe esse tipo de sistema patriarcal”, observou.
Publicada originalmente no site Globo Rural