Muito se fala que a base estrutural de um programa de compliance efetivo é o apoio inequívoco da alta administração, mais conhecido pela expressão tone from the top. Porém, precisamos também prestar atenção no tone from the middle, pois é nesse nível que o sistema é, de fato, operacionalizado.
O tone from the top se refere ao indispensável compromisso da alta gestão com a efetividade do programa de complianceNo Brasil também conhecido como "programa de conformidade” ou "programa de integridade" , é o modelo para estruturação e aplicação de ações dentro de uma organização visando o cumprimento das..., não somente pelas palavras, mas pela tomada de atitudes e decisões de maneira éticaConjunto de ações normativas que guia o comportamento de uma organização ou de um indivíduo, estabelecendo boas relações sociais. A ética é o estudo da moral.. Segundo a ISOA Organização Internacional de Normalização ou Organização Internacional para Padronização, popularmente conhecida como ISO é uma entidade que congrega os grémios de padronização/normalização de 162 países.... 37.301, que regula os Sistemas de Gestão de ComplianceSubstantivo advindo do verbo to comply (agir de acordo, cumprir, obedecer). Estado de estar de acordo com as diretrizes ou especificações estabelecidas pela lei ou regras, políticas e procedimentos de..., o apoio ativo e visível da alta liderança é o fundamento mais importante para que o programa alcance os resultados pretendidos.
A ISO, contudo, não faz qualquer referência à expressão tone from the middle, daí a importância em explorarmos esse ponto, já que é no middle que as atividades da empresa efetivamente acontecem.
Principalmente em grandes organizações, por vezes é inviável à alta administração a interação com o nível básico ou com o empregado médio que enfrenta riscos de comportamento non-compliant todos os dias. Nesses casos, é a liderança média (as gerências) que deve desempenhar um papel de representatividade e aculturamento de seus liderados, transmitindo clara e consistentemente as mensagens, palavras e gestos, de que a organização não tolera condutas ilícitas e antiéticas. Precisamente aí está a importância do chamado tone from the middle como uma estratégia mais efetiva para irradiar a cultura de compliance em uma organização.
As gerências devem mostrar aos colaboradores o que é esperado em termos de comportamento, para que não tenham dúvidas ao tomar decisões ou relatar um problema de não conformidade. Para isso, são indispensáveis treinamentos e capacitações que transmitam os valorescrenças julgadas corretas em relação a interações com outras pessoas ou empresas. da organização e o foco na conformidade — e isso é algo que vai muito além de reprimir condutas ímprobas e antiéticas dos subordinados e de cobrar resultados como único critério de avaliação de condutas. É preciso deixar claro que os fins nem sempre justificam os meios.
Para que o compliance seja de fato vivido no dia a dia da empresa, as gerências (middle-management) são fundamentais também na função de comunicação efetiva do programa e, como boa prática, devem assumir a responsabilidade pela presença de seus liderados nos treinamentos, pois sem isso a cultura de compliance não será incorporada em toda a organização. Por isso a ISO 37.301, já na introdução, recomenda que as “organizações que almejam ser bem-sucedidas a longo prazo precisam estabelecer e manter uma cultura de compliance considerando as necessidades e expectativas das partes interessadas”.
Sucede que o desafio de desenvolver a cultura de compliance está em tornar a ética e os valores da organização algo orgânico, naturalmente evidente, de modo a expressar que as estruturas abstratamente desenvolvidas se concretizam por meio de atitudes, comportamentos e relações com as partes interessadas internas e externas — ou seja, empregados, alta administração, clientes, fornecedores, autoridades. Culturas fortes têm em comum dois elementos: um alto nível de concordância sobre o que é valorizado e um alto nível de intensidade em relação a esses valores, que se projetam em tudo o que é feito dentro da empresa.
O apoio e o exemplo da alta administração são fundamentais para o início e a manutenção de um programa de compliance; porém ele só se torna sustentável ao ser incorporado na cultura da organização e na atitude de todas as pessoas que trabalham nela. Logo, o “tom do meio” é tão importante quanto o “tom do topo”: o papel de priorizar o foco em internalizar a cultura por toda a empresa cabe, de forma indispensável, às gerências, que devem ser treinadas e capacitadas para aderir e transmitir os princípios e valores éticos da organização aos seus liderados. Portanto, se “a virtude está no meio” — como já preconizava Aristóteles por meio da Filosofia —, a plena eficiência dos programas de compliance, de certo modo, também está.
Originalmente publicado no portal CONJUR