O mercado de capitais brasileiro parece viver em um eterno ciclo de avanços e retrocessos. A cada poucos anos, surge uma nova onda de otimismo, seguida por um período de estagnação que nos faz questionar se, de fato, estamos evoluindo. O cenário atual ilustra essa sensação: as ofertas públicas de ações desapareceram do radar, enquanto os fechamentos de capital, as chamadas ofertas públicas de aquisição (OPAs) são destaque.
Não faz muito tempo, em 2021, o mercado celebrava um recorde de abertura de capital. Naquele ano, mais de 40 empresas fizeram IPOs. Mas o jogo virou, e considerando a última década, há mais empresas saindo da bolsa do que entrando (considerando ofertas públicas de aquisição de ações e M&As), conforme algumas reportagens recentes. Com o patamar de juros atual que impacta diretamente no custo de capital, uma nova onda de IPOs não deve ocorrer tão cedo – definitivamente não em 2025.
O discurso em prol de termos mais empresas em bolsa é um velho conhecido: do ponto de vista econômico, ter um mercado de capitais forte e desenvolvido é sinônimo de crescimento econômico, inovação e confiabilidade. Além disso, como sabemos, empresas listadas são obrigadas a seguir normas rígidas de transparênciaÉ o que se pode ver através, que é evidente ou que se deixa transparecer. É a virtude que impede a ocultação de alguma vantagem pessoal. e governança, o que, em teoria, reduz o riscoQuantificação e qualificação da incerteza, tanto no que diz respeito a perdas quanto aos ganhos, com relação aos acontecimentos planejados. É um desvio em relação ao esperado. É uma incerteza... de fraudes e más práticas empresariais, tornando o ambiente de negócios mais confiável e atraente para investidores.
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Com menos empresas listadas, a governança corporativaÉ o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e... é abalada de diversas maneiras. O mercado torna-se menos transparente e o acesso a informações financeiras e operacionais essenciais para investidores e outros agentes do mercado fica mais difícil. Além disso, a diminuição da base de comparação entre empresas limita a capacidade de avaliar práticas de governança e desempenho, prejudica a identificação de “benchmarks” e a promoção de melhorias no ambiente corporativo.
Com essa escassez, a pressão por mudanças efetivas tende a ser menor. É o caso da busca por diversidade nas lideranças e a adoção de políticas de redução de emissões de carbono, só para citar dois exemplos. No contexto brasileiro, a maioria das empresas é de capital fechado. Dessa forma, a diminuição de exemplos de boas práticas de governança entre as companhias abertas enfraquece o incentivo para que as de capital fechado adotem padrões elevados de gestão.
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Há muitos empecilhos históricos que impedem a evolução consistente do mercado, para além da Selic ascendente: incertezas econômicas locais, questões geopolíticas internacionais, volatilidade dos mercados, altos custos regulatórios e dificuldade de acesso de pequenas e médias empresas ao mercado acionário são alguns exemplos.
Quando acessar o mercado internacional parecia mais atrativo do que fazer um IPO no Brasil, empresas como XP, Stone e PagSeguro decidiram levantar capital lá fora. Esse movimento teve respostas regulatórias no Brasil, como a adoção do voto plural. O instrumento, também chamado de supervoto, gerou muita discussão (e controvérsia), mas por conta da atual seca de IPOs ainda não teve a chance de ser testado. Na prática, o instrumento permite que por meio das ações com voto plural, o empreendedor – ou grupo que desenvolveu o negócio – poderá manter o controle da empresa mesmo com uma participação econômica reduzida.
Mais recentemente, o regime Fácil (Facilitação do Acesso a Capital e de Incentivo a Listagens) da CVM pretende fomentar o mercado de capitais local, também para frear a evasão de companhias brasileiras. Ainda em caráter experimental, o FÁCIL é voltado para companhias de menor porte e impõe menos exigências impostas a essas companhias. Essa é uma lacuna estrutural do mercado de capitais. Embora iniciativas como o Bovespa Mais tenham tentado reduzir essa barreira, a adesão segue limitada.
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Pelo mundo
O Brasil não é o único país do mundo a sofrer com a deslistagem de empresas. Em 2024, a Bolsa de Londres teve seu pior ano em termos de saídas desde a crise financeira: 88 companhias deixaram a bolsa inglesa e somente 18 IPOs foram realizados. Foi o maior fluxo líquido de saída de empresas, desde 2009, enquanto o número de novas listagens foi o menor em 15 anos.
Diante do êxodo, o Financial Conduct Authority (FCA), regulador inglês, realizou a maior reforma das últimas quatro décadas, instituindo, por exemplo, o voto plural. Assim como no Brasil, a flexibilização não foi unanimidade e não foi suficiente para convencer as empresas a permanecerem em Londres. Recentemente, o presidente da bolsa inglesa, David Schwimmer disse ao canal americano CNBC que o problema é global e que o ambiente é fraco para IPOs em Nova York e Hong Kong.
De olho no futuro
No Brasil, a próxima mudança regulatória esperada é a divulgação das regras do Novo Mercado, que completa 25 anos este ano. A nova regulação tem potencial para aumentar ou reduzir a atratividade para as companhias, apesar de não ser o único fator determinante.
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Se, por um lado, a governança robusta é essencial para manter a confiança dos investidores, por outro, regras muito rígidas podem desestimular novas listagens. A experiência internacional mostra que não há solução simples. Sem uma conjuntura econômica favorável e um esforço coordenado entre reguladores, empresas e investidores, o mercado de capitais brasileiro corre o risco de continuar nesse ciclo de avanços e retrocessos, sem uma evolução consistente.