Misma de Paula e Cilene Impelizieri (*)
Tudo começa de maneira quase imperceptível. Pequenos gestos, decisões momentâneas, permissões veladas. A trajetória institucional de um país não se altera por um único evento, mas pelo acúmulo dessas pequenas permissões que, juntas, criam um ambiente nebuloso, onde a transparênciaÉ o que se pode ver através, que é evidente ou que se deixa transparecer. É a virtude que impede a ocultação de alguma vantagem pessoal. perde espaço para a desconfiança. Como o nevoeiro denso de um dos clássicos de Stephen King, esse ciclo incerto obscurece a visão e leva a escolhas que podem se tornar irreversíveis, com consequências devastadoras.
Não é de se estranhar, portanto, que o Brasil, segundo dados divulgados este mês, tenha visto sua posição no Índice de Percepção da CorrupçãoEtimologicamente, o termo corrupção surgiu a partir do latim corruptus, que significa o "ato de quebrar aos pedaços", ou seja, decompor e deteriorar algo. É o ato ou efeito de... (IPC) cair para o pior patamar da série histórica: o 107º lugar entre 180 países. Esse declínio não é obra do acaso. É um reflexo direto da dificuldade crônica que temos em consolidar a transparência e a integridadeConjunto de escolhas que estejam em sintonia com as crenças pessoais e os valores da empresa, prezando pela ética nas tomadas de decisões. como valorescrenças julgadas corretas em relação a interações com outras pessoas ou empresas. inegociáveis da nossa pátria. Mais do que uma simples estatística, esse dado expõe uma fragilidade estrutural: a governança no
Brasil ainda carece de um compromisso sólido com a previsibilidade e a aplicação isonômica das regras.
Afinal, governança não é apenas um conceito abstrato, mas a base sobre a qual se sustenta qualquer Estado funcional. Ela pressupõe regras claras, previsíveis e aplicáveis a todos. No Brasil, no entanto, complianceSubstantivo advindo do verbo to comply (agir de acordo, cumprir, obedecer). Estado de estar de acordo com as diretrizes ou especificações estabelecidas pela lei ou regras, políticas e procedimentos de... é frequentemente percebido como um entrave burocrático, e não como um mecanismo de credibilidade e estabilidade. Essa visão distorcida compromete o fortalecimento das instituições, tornando-as vulneráveis à captura por interesses particulares.
Nós, porém, estamos ao lado daqueles que acreditam que onde há problema, há caminho. Se a corrupção se fortalece quando as instituições vacilam, é justamente na boa governança que encontramos o antídoto. Transparência não pode ser um discurso de ocasião – precisa ser fibra, conduta, hábito. As normas anticorrupção já existem, mas sua eficácia depende menos de sua mera presença e mais de sua assimilação e execução real. Regras soltas, sem contexto e sem clareza, não resolvem. Pelo contrário: geram desconfiança, alimentam a burocracia inerte e mantêm abertas as portas por onde os velhos vícios se infiltram.
A comunicação estratégica, nesse ecossistema, é um fator-chave. O controle social e a responsabilização só funcionam quando a informação é clara, acessível, bem difundida e sem brechas para distorções de sentido. Quando a comunicação falha, a percepção pública da corrupção se intensifica, alimentando a sensação de impunidade e desordem. Em situações de crises, então, as falhas virão à propulsão para o caos.
Por tudo isso, a comunicação estratégica não pode ser vista apenas como um detalhe administrativo. Ela é uma ferramenta de transformação. Governos, empresas e instituições que investem em comunicação clara e coerente ganham credibilidade, engajam stakeholdersPessoas ou grupos de pessoas com algum grau de envolvimento ou interesse em uma organização ou entidade, tais como empregados, clientes, fornecedores ou cidadãos que podem ser afetados por determinada..., fortalecem a reputação e encontram êxito na missão. Dessa forma, comunicação e governança se entrelaçam como elementos indissociáveis para a construção de um Estado eficiente e confiável.
Países que conseguiram reduzir a corrupção não são perfeitos, mas entenderam essa equação. Dinamarca e Nova Zelândia, frequentemente no topo do IPC, não erradicaram os desvios, mas construíram sistemas sólidos que desincentivam a prática e reforçam a confiança pública. Fica claro que a questão central não é apenas ter regras, mas garantir que sejam compreendidas, seguidas e internalizadas. O compliance visto como o que de fato ele é: um ativo.
Se o Brasil deseja também trilhar esse caminho, acreditamos que sim, é necessário reformar sua abordagem à governança, reforçando a transparência, a comunicação estratégica e a aplicação eficiente das normas.
O desafio não é trivial, reconhecemos. Mas a história mostra que sociedades que investem na solidez institucional colhem os frutos de uma democracia mais robusta e um ambiente econômico mais previsível. O tempo para essa mudança não pode esperar mais.
(*) Misma de Paula é superintendente de Gestão Estratégica; Governança e Compliance da Itaminas; e Cilene Impelizieri é CEOChief Executive Officer (CEO): O Chefe Executivo da empresa, conhecido também como Diretor Executivo, Diretor Geral e Diretor Presidente ou Presidente. da Hipertexto, especialista em Comunicação Estratégica, Reputação e Gestão de Crise