A partir de 01/01/22 passa a valer a nova Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – CID 11, publicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS)1, trazendo uma importante inovação: a classificação da Síndrome de Burnout como doença ocupacional.
A Síndrome de Burnout é uma “[f]orma extrema ou avançada do estresse, (…) fruto de estresse laboral crônico, afetando os profissionais e sua relação com o trabalho. Nesse caso, a ocupação deixa de fazer sentido e emerge o desinteresse e sentimentos reduzidos de realização profissional”.2
Ainda, segundo a definição estabelecida pela OMS, o Burnout decorre de estresse laboral crônico “que não foi adequadamente gerenciado”, possuindo três dimensões: (i) sensação de esgotamento ou exaustão; (ii) aumento do distanciamento mental com relação ao trabalho, ou sentimentos de negatividade ou cinismo relacionados ao trabalho; e (iii) sentimentos de ineficiência e de falta de realização profissional.
A alteração da classificação traz um novo elemento de riscoQuantificação e qualificação da incerteza, tanto no que diz respeito a perdas quanto aos ganhos, com relação aos acontecimentos planejados. É um desvio em relação ao esperado. É uma incerteza... para empresas, cujo tratamento exigirá a atuação integrada de diversas áreas, como complianceSubstantivo advindo do verbo to comply (agir de acordo, cumprir, obedecer). Estado de estar de acordo com as diretrizes ou especificações estabelecidas pela lei ou regras, políticas e procedimentos de..., recursos humanos, áreas de negócios (como marketing e vendas) e, evidentemente, a própria alta administração.
A partir da percepção de que o burnout é uma condição relacionada ao trabalho, torna-se necessário que as organizações tratem o tema da saúde mental de maneira aberta e transparente, o que exige uma profunda transformação na cultura corporativa3, a começar pelos administradores da empresa: afinal, como já mencionamos em trabalho anterior4, o sucesso de um programa de compliance depende do comprometimento efetivo da alta administração.
No caso da prevenção à Síndrome do Burnout, o programa de compliancedeverá ir muito além de seu papel tradicional de prevenção ao assédio no ambiente de trabalho e garantia cumprimento da legislação trabalhista.
Tendo por base as preocupações com saúde mental, o compliance precisa atuar integrado ao planejamento estratégico, de modo a auxiliar na construção das metas e objetivos da empresa, buscando o equilíbrio entre metas desafiadoras (porém exequíveis) o suficiente para manter os colaboradores engajados mas sem culminar em cobranças excessivas que possam levar a situações de esgotamento.
Além disso, a disseminação do teletrabalho e de regimes híbridos impõe o desafio de assegurar aos colaboradores o necessário direito à desconexão5, fundamental para prevenir o burnout.
É importante que o compliance trabalhe em conjunto com as áreas de Recursos Humanos no estabelecimento de práticas voltadas à manutenção da saúde mental dos colaboradores, definindo também indicadores e ferramentas adequados para monitoramento e gerenciamento do estresse laboral, até mesmo como uma forma de reduzir os impactos negativos (inclusive financeiros) à empresa6.
Deve-se ter em mente, ainda, que a construção de um ambiente de trabalho sadio é não apenas um direito fundamental dos trabalhadores, mas também traz impactos positivos ao negócio (como retenção de talentos, redução do turnover, melhora na reputação, etc).
Nota-se, portanto, que se mostra cada vez mais importante enxergar o compliance de maneira estratégica e integrada com todas as áreas do negócio, sendo capaz não apenas de reduzir perdas financeiras como, também, valorizando o aspecto humano das empresas.
1 Disponível em: https://icd.who.int/en. Acesso em 21/12/2021.
2 GIULINI, Ana Cristina. GIULIANI, Antonio Carlos. Ansiedade e estresse no trabalho, in: MARRAS, Jean Pierre (org). Gestão estratégica de pessoas: conceitos e tendências. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 155.
3 Sobre o tema, pertinente a leitura das ponderações apresentadas por Roberto Aylmer em matéria publicada na Revista Exame: https://exame.com/carreira/burnout-vira-doenca-do-trabalho-em-2022-o-que-muda-agora/. Acesso em 21/12/2021.
6 Segundo dados divulgados pela Revista Exame, estima-se que o custo às organizações no Brasil, pela má gestão do estresse, chegue a US$ 80 bilhões por ano. Disponível em: https://exame.com/carreira/na-pandemia-37-das-empresas-registraram-aumento-de-doencas-psiquiatricas/, acesso em 21/12/2021.
Originalmente publicado no Migalhas