O desenvolvimento de uma cultura corporativa consciente demanda atitude, vontade e determinação. Não ocorre espontaneamente, em regra. Não evolui de forma espontânea (Hayek). Para que ela se efetive, exige-se planejamento, esforço e flexibilidade. A tentativa mal planejada de transformação cultural gera resistências entre os colaboradores e até boicotes, alguns inconscientes.
Os padrões comportamentais indicam o tipo de cultura existente, se boa ou ruim, se agrega ou destrói valor, se viabiliza ou obstrui o êxito e a longevidade. Culturas fortes permitem o bom desenvolvimento de estratégias; culturas fracas sequer permitem que estratégias sejam pensadas. A relação entre a cultura e a estratégia nem sempre é sinérgica. Atribuiu-se à Peter Drucker a frase “a cultura devora a estratégia no café da manhã”. Se a autoria é contestada, a frase é verdadeira: a rotina pode não permitir o desenvolvimento de um planejamento estratégico eficaz.
Executivos, equivocadamente, pensam o negócio apenas no curto prazo e, portanto, não somente a instituição não se organiza, mas, também, as pessoas não são instigadas. Como consequência, deixam (i) de propor alterações no limite de suas atuações, (ii) de ser críticas e (iii) de se responsabilizar pelo que fazem. Não enxergando alternativas corporativas para si, propiciam à empresa a perda de talentos e a eles próprios o adoecimento (burnout), pela falta de coerência entre o prometido e o vivenciado.
A cultura forte permite práticas éticas e conformes, produzindo documentos que definem o tolerável e o intolerável, divulgando adequadamente ações reflexas da integridadeConjunto de escolhas que estejam em sintonia com as crenças pessoais e os valores da empresa, prezando pela ética nas tomadas de decisões., tais como a elaboração do Código de CondutaConjunto de normas para direcionar e disciplinar todos os colaboradores, estabelecendo os princípios culturais da empresa. ÉticaConjunto de ações normativas que guia o comportamento de uma organização ou de um indivíduo, estabelecendo boas relações sociais. A ética é o estudo da moral., a criação de Canais de DenúnciaAto pelo qual alguém leva ao conhecimento dos responsáveis um fato contrário à lei, à ordem pública ou a algum regulamento, que seja e suscetível de punição ou correção.... Anônima e o Comitê de CondutaDissemina, implementa e atualiza os colaboradores sobre as normas aplicadas nos códigos em vigor, além de efetivar o sistema de Compliance nas práticas de cada departamento; Ética, que dão a todos os colaboradores, a experiência denominada “de corredor”, tangível, vivenciada e compartilhada entre eles. A cultura fraca autoriza práticas perniciosas, permissivas, discriminatórias, posto inexistir ações adequadas a nortear o comportamento dos colaboradores. Em alguns casos, possuem documentos direcionadores, mas não os divulgam adequadamente, tornando-os “de prateleira” e, logo, abstratos, intangíveis e teóricos.
Culturas fortes e conscientes requerem menos controle e despertam mais autonomia, liberdade de ação e responsabilidade no desempenho de funções, sendo, portanto, descentralizadas. Já as culturas fracas exigem controles e supervisões, diminuindo a iniciativa do colaborador e o seu engajamento corporativo, sendo, marcadamente, centralizadas.
Mackey e Sisodia (2014, p. 235/236), no livro “Capitalismo Consciente”, estabelecem as qualidades das culturas conscientes: 1) confiança (interna e externa); 2) responsabilidade (ênfase à prestação de contas); 3) cuidado (preocupação sincera e consistente com os stakeholdersPessoas ou grupos de pessoas com algum grau de envolvimento ou interesse em uma organização ou entidade, tais como empregados, clientes, fornecedores ou cidadãos que podem ser afetados por determinada...); 4) transparênciaÉ o que se pode ver através, que é evidente ou que se deixa transparecer. É a virtude que impede a ocultação de alguma vantagem pessoal. (estratégia de poucos segredos); 5) integridade (compromisso de sempre dizer a verdade e agir da forma certa); 6) lealdade (diferente de cegueira, define a fidelidade como elemento importante nas relações); 7) igualdade (política de portas abertas, de fácil comunicação entre todos).
As culturas conscientes demandam líderes conscientes e compromissados na construção de ambientes saudáveis: são os principais defensores do propósito e dos valorescrenças julgadas corretas em relação a interações com outras pessoas ou empresas. da organização, assumindo, igualmente, as consequências de suas escolhas. Ao atribuírem autonomia e liberdade, determinam as responsabilidades correlatas, definindo os critérios da confiabilidade recíproca. Culturas conscientes são naturalmente inovadoras, pois não temem o erro praticado por pessoas competentes. Os colaboradores são instigados a pensar sobre a melhoria dos processos, dos fluxos e das experiências dos destinatários (internos e externos) de suas ações. Ao permitir a fala, valoriza a escuta, prática indispensável para o fortalecimento das relações.
Por último, mas, não menos importante, Mackey e Sisodia (2014, p. 249/250) adotaram uma medida simples no Whole Foods Market, que foi determinante para a criação de um ambiente de trabalho envolvido pelo cuidado: as avaliações positivas (voluntárias) no fim das reuniões reforçam o amor, a confiança e a solidariedade entre os colaboradores. De acordo com os autores, “a gentileza oferecida, recebida ou observada afeta a saúde física e os sentimentos de todos os envolvidos”. Se a cultura corporativa consciente demanda esforço, a base para o seu desenvolvimento é o amor.
Publicada originalmente no Diário do Comércio