Um estudo recente da Thomson Reuters aponta que mais de dois terços dos 1.200 profissionais ouvidos, entre eles pessoas de profissões jurídicas, tributárias e contábeis, e de risco, preveem que o impacto da Inteligência Artificial (IA) será muito alto ou transformador. O relatório Future of Professionals traz ainda que, entre os brasileiros, a segurança de dados (25%) e a ética (23%) são as principais preocupações em relação à aplicação da IA em suas profissões.

“A IA estão remodelando o cenário de negócios com impacto considerável”, comenta Adrián Fognini, diretor-executivo da Thomson Reuters para América Latina. O executivo explica que, com a IA, a análise de dados se torna mais orientada para o futuro, em vez de reativa. Novas aplicações de IA e IA generativa acelerarão significativamente a análise e impulsionarão a tomada de decisões proativas, por exemplo, por meio do monitoramento de eventos em tempo real e da sinalização de riscos.

Oportunidades

Victor Loureiro Lima, líder de Inovação da consultoria Accenture para América Latina, cita a Tecnologia para a Sustentabilidade – no inglês, Technology for Sustainability – como uma das principais tendências. “É um olhar de como a área de tecnologia pode alavancar, habilitar e resolver desafios de sustentabilidade”, explica.

Um exemplo é a roteirização de entregas com base em inteligência artificial para otimizar rodagem, diminuindo não apenas tempo de percurso, mas consumo de combustíveis e, consequentemente, emissões de gases de efeito estufa. Outro é o redesenho de processos fabris para evitar desperdícios de matéria-prima e insumos, como energia e água.

“Os modelos preditivos, de análise de dados, já são usados há algum tempo. A oportunidade que estamos vendo é conectar a temática de sustentabilidade; é um ângulo importante a ser explorado”, aponta Lima.

Outra tendência forte é o da Sustentabilidade na Tecnologia – no inglês, Sustainability in Technology – que procura aplicar princípios e práticas de sustentabilidade na área de TI. A busca por sustentabilidade em data centers, que são grandes consumidores de energia e água é um exemplo.

Outros na mesma linha são a adoção de práticas de reciclagem de aparelhos eletrônicos usados; uso de “dark mode” [tela que escurece] nos computadores para diminuir necessidade de recarga; e até a revisão de quais linguagens são usadas para escrever códigos de softwares – algumas demandam mais horas de trabalho e, portanto, mais processamento e energia.

Os chamados “green softwares” estão em evidência. Daniel Lázaro, líder de Data&AI da Accenture para Growth Markets, explica que há diferentes processos para se escrever um código. Aqueles que “pulam etapas”, como as linguagens que permitem que o comando seja automaticamente escrito em linguagem de máquina – sem passar pela fase intermediária de interpretação – podem ser alternativas mais sustentáveis. Mais etapas significa processos mais longos e consumo maior de energia e possivelmente de número de equipamentos ao longo do tempo.

Internamente na empresa, a mesma lógica pode ser aplicada: a área de tecnologia pode ajudar a resolver o problema da captura e tratamento de dados para acompanhamento dos compromissos públicos da empresa nas agendas ESG e de ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável). Com dados confiáveis em tempo real, a tomada de decisão fica mais fácil.

O uso de sensores e softwares para monitorar processos fabris e identificar desperdícios, assim como o uso de gêmeo digital de uma planta industrial, por exemplo, para fazer cenários e simulações, são outros exemplos. “O gêmeo digital permite que eu simule o que acontecerá se eu fizer determinada mudança, e estimar quanto posso reduzir de emissões. Os modelos prescritivos e preditivos começam a ser ferramentas poderosas para tomar decisões de negócio e de sustentabilidade”, diz Lima. Lázaro lembra ainda que a análise de dados para prever riscos climáticos é outra frente relevante a ser explorada.

Esse tipo de desenvolvimento será especialmente importante especialmente quando as empresas de capital aberto precisarem reportar os dados ESG junto com os financeiros, conforme nova regra da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que passará a ser obrigatória a partir de 2026.

Também vale para quem exporta à União Europeia, uma vez que as legislações do bloco passam a exigir provas de que o produto não veio de área de desmatamento, que a cadeia segue princípios internacionais de direitos humanos, e que a pegada de carbono é baixa. O uso de blockchain para fazer a rastreabilidade de produtos, como ouro, cacau, soja, gado, algodão e outros é também um exemplo de Sustainability in Technology.

Mas, para tudo isso avançar, é preciso envolver a equipe de tecnologia na estratégia ESG. “O CIO [Chief information officer ou diretor de Tecnologia da Informação] não entende que sustentabilidade também é um problema dele. E precisamos olhar para os dados para resolver problemas e encontrar oportunidades para alcançar as metas”, comenta Lima.

Dois lados da mesma moeda

Letícia Tavares Málaga, sócia do Peck Advogados, defende que as empresas tratem o assunto com seriedade, pois a velocidade de adoção de IA nos processos de automação, geração de eficiência e desenvolvimento de novos produtos e serviços pode ser fator determinante para o posicionamento de mercado perante os concorrentes e a própria sustentabilidade do negócio. Mas, ao mesmo tempo, pode também gerar problemas. “A IA pode potencializar práticas sustentáveis. Porém existem muitos desafios éticos”, comenta Letícia Tavares Málaga, sócia do Peck Advogados.

Na lista de exemplos que podem trazer impacto positivo ao negócio, ela cita o uso da tecnologia para otimizar processos e operações, contribuindo, assim, para a gestão inteligente de recursos, redução do consumo de energia e otimização de cadeias de suprimentos. Ou seja, pode ajudar na agenda ambiental do ESG.

No campo social, ela cita o uso da tecnologia para ampliar a inclusão e o acesso de pessoas a serviços públicos, o que pode, em última instância, melhorar a eficácia de programas sociais, como na saúde e educação. Os algoritmos inteligentes também podem melhorar a análise e concessão de empréstimos, ampliando a inclusão financeira e acesso a crédito produtivo. Um terceiro exemplo é no combate à fraude e práticas antiéticas, que já é utilizada, por exemplo, pelo mercado financeiro, mexendo no ponteiro da governança.

Por outro lado, a falta de transparência dos algoritmos pode levar a decisões discriminatórias e prejudiciais, trazendo impacto negativo à sociedade e prejudicando também a reputação da companhia. Neste sentido, também estão entre as críticas questões éticas relacionadas à equidade e justiça na implementação da IA.

O termo injustiça algorítmica tem sido abordado em algumas arenas de discussão sobre desigualdade de gênero e raça, por exemplo. Como boa parte dos robôs se vale de um histórico de dados para fazer aferições, eles tenderiam a perpetuar o padrão do passado, sugerem alguns estudos. Ou seja, de discriminação e preterimento de pessoas negras e mulheres na concessão de crédito e aprovação em uma vaga de emprego mais técnico ou de alto escalão.

O que algumas empresas têm feito para driblar essa tendência é rever seus algoritmos, e, em alguns casos, refazer os códigos ou treinar modelos de AI para torná-los mais inclusivos, com menos vieses e minimizar a predileção. Há também o caso de quem mude os parâmetros do código para intencionalmente beneficiar grupos minorizados. É função da empresa também armazenar e manipular os dados de modo a minimizar o impacto social em eventual vazamento de dados.

“Neste sentido, algumas empresas já estruturam internamente comitês de ética em IA ou mesmo de inovação e estratégia para definir conceitos e conceber projetos já no conceito ‘ethics by design’ [na tradução livre, ética desde o design], a fim de minimizar riscos”, explica Málaga, do escritório de advocacia Peck.

A própria redução de mão de obra humana, que deve ser substituída por aplicações de inteligência artificial em algumas profissões nos próximos anos, também é um fator a ser considerado, uma vez que pode impactar na reputação da marca e no clima interno de trabalho. Para Málaga, a perda de empregos pelo uso de AI e outras tecnologias é um assunto importante e que deve ser “cuidadosamente tratado” pelos governos, com medidas efetivas de médio prazo.

A advogada defende que sejam estabelecidas diretrizes regulatórias e de responsabilidade corporativa para aumentar a transparência e a auditabilidade, ou seja, subir a régua de governança, o “G” do ESG.

O projeto de lei que visa regulamentar a Inteligência Artificial no Brasil (PL 759/2023, de autoria do senador Rodrigo Pacheco -PSD/MG, e relatoria do senador Eduardo Gomes -PL-TO), em tramitação no Congresso Nacional, é visto como um passo importante na regulamentação da atividade, ao propor normas para o desenvolvimento, implementação e uso responsável de sistemas de inteligência artificial, entre outras ações. Mas, o que especialistas dizem é que ainda é cedo para tentar abordar todos os desdobramentos e responsabilidades da utilização de IA – ainda há muito o que aprender sobre seu funcionamento e poder.

 

Publicada originalmente no site Valor

Publicado na CompliancePME em 14 de março de 2024