Por Daniele Botaro
Compartilho com vocês cinco diretrizes para fugir do rainbow-washing e desenvolver, de forma genuína, a inclusão e o desenvolvimento de profissionais LGBTQ+ dentro das organizações
Sou uma pessoa muito ativa no LinkedIn, minha rede social preferida, e acabo recebendo muitas mensagens por lá. Geralmente são pessoas vendendo algum serviço, pedindo conexão ou pedindo emprego. Só que os pedidos de emprego têm sido mais desesperados nos últimos meses: desde que a pandemia começou, os pedidos têm vindo com mais frequência de profissionais LGBTQ+.
São histórias de pessoas LGBTQ+ que tiveram redução de salários ou até mesmo perderam seus empregos e que, diante do dilema econômico, se viram sem alternativas a não ser voltar a viver com suas famílias. Até aí, nada de mais, não é? Afinal, quem não gostaria de poder comer comida de mãe todo dia ou ter mais tempo para conviver com as pessoas que ama?
Infelizmente não é tão simples se você é uma pessoa LGBTQ+ e sua família não sabe ou não te aceita do jeito que você é. A homofobia mais dolorosa de todas, certamente é a que acontece dentro de casa. Muitas pessoas que deveriam encontrar em suas famílias a fortaleza para enfrentar os preconceitos do mundo são tratadas como doentes, são humilhadas e sofrem além de violência psicológica, física e por fim, a exclusão.
E se colocarmos uma lupa nas letras que compõe a sigla LGBTQ+, a letra T (pessoa transgênero) é uma das mais marginalizadas. A média de idade de uma pessoa trans expulsa de casa pela família por ser trans, é de 13 anos de idade no Brasil. Já imaginou se seus pais tivessem te colocado na rua aos 13 anos de idade? Você teria chegado onde chegou hoje? Teria tido oportunidades de trabalho ou de educação qualificada? Somente 0,02% das pessoas trans possuem diploma de ensino superior no Brasil.
E se em casa as pessoas LGBTQ+ enfrentam desafios inimagináveis por outros grupos (por exemplo, um pai não expulsa um filho de casa porque ele nasceu negro) as empresas acabam se tornando, muitas vezes, o único ambiente que acolhe e empodera profissionais LGBTQ+. No entanto, não estou falando das empresas que uma vez por ano colorem suas logomarcas com as cores do arco-íris e envia lindos comunicados internos de celebração do orgulho LGBTQ+ no dia 28 de junho, mas que se esquecem de implementar políticas e práticas antidiscriminatórias para seus colaboradores da comunidade LGBTQ+.
Nos Estados Unidos, somente em junho de 2020 a Suprema Corte aprovou uma lei que proíbe empresas de demitirem seus trabalhadores por serem LGBTQ+. De acordo com uma análise das avaliações de empresas feita pela plataforma Glassdoor, os funcionários LGBTQ+ estão menos satisfeitos no trabalho em comparação com seus colegas não LGBTQ+. Esses profissionais relatam ainda que seguem enfrentando microagressões e situações de discriminaçãoFenômeno sociológico que consiste em separar uma pessoa do coletivo por condições diferentes da maioria, seja por raça, cor, credo, sexo ou orientação sexual..
Uma pesquisa recente do LinkedIn com profissionais LGBTQ+ mostrou que 25% dos entrevistados disseram ter oportunidades de progressão na carreira são intencionalmente negadas (como promoções e aumentos) por causa de sua identidade de gênero ou orientação sexual.
Fuja do rainbow-washing
O rainbow-washing é definido pelo ato de usar ou adicionar cores e/ou imagens do arco-íris à publicidade, vestuário, acessórios, ou marca a fim de indicar suporte progressivo para a igualdade LGBTQ+ (e ganhar credibilidade do consumidor). Entretanto, isso é feito comumente com um mínimo de esforço ou resultado pragmático para beneficiar e garantir direitos à comunidade LGBTQ+.
Para simplificar (e porque adoro listas) compartilho aqui algumas ideias que podem ser implementadas em junho e em qualquer outro mês do ano, para evitar o rainbow-washing. A consistência das ações realizadas é que vai trazer a credibilidade e o resultado que você está esperando.
1) Treinamento e educação nunca são demais
Cada vez mais empresas contratantes têm exigido de empresas contratadas clausulas específicas sobre treinamentos periódicos de políticas de antidiscriminação e de valorização da diversidade. E isso é expressamente escrito em contrato. Sabemos que os muitos treinamentos ainda não têm a efetividade que gostaríamos para reduzir vieses inconscientes e amenizar atitudes inadequadas. No entanto, isso representa um primeiro passo e carrega uma mensagem forte de que nesse ambiente essa ação tem em si um valor.
Fora isso, há várias outras estratégias de educação que passam por painéis, palestras com pessoas inspiradoras e que têm a capacidade de influenciar muita gente, como materiais de marketing e tudo o que sua criatividade e budget permitirem. Não subestime o poder de um adesivo, cordão de crachá ou até mesmo um cartaz.
Uma vez, ouvi de uma gerente, aqui na Oracle, que ele tinha mudado a maneira de interagir com uma pessoa do seu time, pois ele havia lido em um banner no elevador uma frase da nossa CEOChief Executive Officer (CEO): O Chefe Executivo da empresa, conhecido também como Diretor Executivo, Diretor Geral e Diretor Presidente ou Presidente., Safra Catz, que dizia: “Se você não puder trazer tudo o que é para o trabalho, você certamente não trará o seu melhor”.
2) Liderança inclusiva engajada e linguagem adequada
Usar uma linguagem respeitosa cabe em qualquer situação. Se você vai fazer negócios com clientes que são de outro país e têm outra cultura, você se adapta para que sua mensagem seja mais efetiva, não é? Por que não fazer o mesmo com seus colaboradores LGBTQ+? Tente usar sempre a linguagem neutra e inclusiva (tenho um artigo sobre isso) e pergunte como a pessoa quer ser chamada. Coloque em seu perfil seus pronomes preferidos.
Além disso, evite as piadas e os termos pejorativos referentes à comunidade LGBTQ+. Além das comunicações oficiais que a empresa vai enviar, vale a pena você escrever uma mensagem personalizada no grupo de WhatsApp do seu time, o que pode ser muito mais efetivo. Se você não sabe o que escrever, ou tem medo de errar, busque ajuda do grupo de diversidade da sua empresa.
3) Benefícios e políticas
Você sabe quais são as políticas e benefícios que sua empresa oferece a pessoas LGBTQ+? Você fala disso para candidates na entrevista? Vá atrás dessas informações e se você descobrir que sua empresa não oferece tais benefícios, use sua influência e posição para ajudar o time de RH a implementá-las. De novo, busque o grupo de diversidade para entender quais são as demandas antes de tentar criar projetos mirabolantes que podem não atender as necessidades de pessoas que vivem uma realidade diferente da sua.
4) Ter muito cuidado e pense intencionalmente na interseccionalidade
Rajkumary Neogy, consultor de diversidade diz que “ser negligenciado é a experiência mais desafiadora para a neurologia humana e que o cérebro codifica a exclusão literalmente como se você estivesse levando um chute na canela”. Se você está preparando um evento para o Dia das Mães, por exemplo, não se esqueça das mães que são lésbicas ou trans.
Se vão celebrar o Dia das Mulheres, não esqueçam das que pertencem à comunidade LGBTQ+. Outro ponto importante é estimular os diferentes grupos de diversidade a discutirem a interseccionalidade. No ano passado, nosso grupo de pessoas com deficiência fez um evento convidando o grupo LGBTQ+ para discutir desafios das pessoas LGBTQ+ com deficiência. O resultado foi riquíssimo.
5) Apoiar instituições que acreditam no mesmo propósito
Fazer o bem por meio de ações de voluntariado é uma das principais maneiras de engajar colaboradores e construir propósito comum em empresas. Diversos estudos mostram que ações que impactam positivamente a sociedade geram mais orgulho e um sentimento de pertencimento mais amplo entre as pessoas. Recebemos a Daniela Mercury para um bate-papo aqui na Oracle e, durante a live, pedimos doações dos funcionários para duas ONGs que apoiam e desenvolvem pessoas LGBTQ+.
A Oracle tem um programa que para cada valor doado por colaboradores, a empresa doa a mesma quantia. O impacto foi muito positivo, pois as pessoas aprenderam mais sobre inclusão e respeito, se divertiram com as músicas e ainda ajudaram pessoas. Outra ideia é você reunir um grupo de pessoas da sua empresa e fazer um programa de mentoring de carreira para jovens LGBTQ+.
Uma pesquisa da Harris Interactive descobriu que aproximadamente dois terços dos adultos LGBTQ+ teriam muito ou alguma probabilidade de permanecer leais a uma empresa ou marca que acreditassem apoiar a comunidade LGBTQ+, mesmo quando concorrentes menos inclusivos oferecem preços mais baixos ou maior conveniência.
Outro estudo realizado pelo Credit Suisse em 2020 mostra que empresas favoráveis às políticas e práticas LGBTQ+ apresentam desempenho superior no mercado de ações.
E sua empresa, o que vai fazer para fujir do rainbow-washing?
Originalmente publicada na MIT Sloan Review